Friday, May 13, 2011

Prefácio - Fé e Fé Salvadora

Muito antes de os teólogos neo-ortodoxos pensarem em dizer que fé é um encontro com uma pessoa divina, e não um assentimento a uma proposição, pregadores que deveriam saber mais ensinavam que fé é confiar numa pessoa, não acreditar num credo. Anos mais tarde, este escritor, quando um adolescente, foi informado que algumas pessoas perderiam o céu por quarenta centímetros – a distância entre a cabeça e o coração – pois elas acreditavam no Evangelho com suas cabeças, mas não com o seu coração. Hoje é mais fácil para um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que achar um ministro – um ministro conservador – que não creia e ensine que uma pessoa deve ter um relacionamento “pessoal” com Cristo para ser salva. Mas no que consiste esse relacionamento “pessoal” não é deixado explícito, e quando o é, contradiz o que a Bíblia ensina sobre fé salvadora. O resultado é que tanto cristãos como não cristãos estão desesperadamente confusos ou totalmente enganados. Talvez o mundo não esteja respondendo à nossa mensagem porque a mensagem está ilegível. Nós, nem eles, sabemos exatamente o que devemos fazer para termos a vida eterna.

Declarações como essas sobre a cabeça e o coração e confiar numa pessoa, não acreditar num credo, não são apenas falsas; elas criam as condições para a emergência de todos os tipos de subjetivismo religioso, desde o modernismo ao movimento carismático e além. Ninguém jamais perderá o céu por quarenta centímetros, pois não há distância entre a cabeça e o coração. “Como imaginou no seu coração, assim ele é” (Pv 23.7). O contraste cabeça/coração é uma ficção da psicologia secular moderna, não uma doutrina da revelação divina. São Sigmund, não São João, controla o púlpito em muitas igrejas.

Além do mais, “confiar numa pessoa” é uma frase sem significado a menos que signifique assentir a certas proposições sobre uma pessoa, proposições tais como “Creio em Deus Pai Todo-poderoso… e em Jesus Cristo, seu Filho unigênito, nosso Senhor, o qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao mundo dos mortos, ressuscitou no terceiro dia, subiu ao céu e está sentado a direita de Deus Pai, Todo-Poderoso, de onde virá para julgar os vivos e os mortos”. Confiar em Cristo, a menos que isso signifique acreditar nessas proposições, é totalmente sem valor. “Cristo” significa essas proposições – e muitas outras, sem dúvida, mas no mínimo essas. Ninguém que confia no Cristo de Barth, Brunner, Renan ou Tillich será salvo.

Quanto a ter um relacionamento “pessoal” com Cristo, se a frase significa algo além de assentir a proposições verdadeiras sobre Jesus, o que é esse algo mais? Uma ardente sensação interior? Café tem o mesmo efeito. Certamente relacionamento “pessoal” não significa o que queremos dizer quando conhecemos alguém pessoalmente: talvez tenhamos apertado a sua mão, visitando a sua casa ou ele a nossa, ou almoçado com ele. João teve um “relacionamento” pessoal com Cristo nesse sentido, assim como todos os discípulos, incluindo Judas. Mas muitos de cristãos nunca tiveram isso, e Jesus os chama de bem-aventurados: eles não viram, todavia creram. A diferença entre Judas e os outros discípulos não é que eles tiveram um relacionamento “pessoal” com Jesus e ele não, mas que eles acreditaram, isto é, assentiram a certas proposições sobre Jesus, enquanto Judas não acreditou naquelas proposições. Crer na verdade, nada mais nada menos, é o que separa o salvo do condenado. Aqueles que mantêm que existe algo mais além da crença, estão, de forma muito literal, além da crença.

Nas páginas que seguem, o Dr. Clark defende a visão que fé é assentimento a uma proposição, e que fé salvadora é assentimento a proposições encontradas na Bíblia. Fé salvadora não é um encontro indescritível com uma pessoa divina, nem conhecimento do coração em oposição à conhecimento da cabeça. De acordo com o autor de Hebreus, aqueles que chegam até Deus devem crer pelo menos em duas proposições: que ele existe, e que ele é galardoador daqueles que o buscam diligentemente. Encontros irracionais e relacionamentos sem sentido não são fé salvadora. A verdade é proposicional, e uma pessoa é salva e santificada somente ao acreditar em declarações verdadeiras. A fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela Palavra de Deus.

O aspecto anti-intelectual de quase todo pensamento moderno, desde a cadeira universitária ao banquinho do bar, controla o púlpito também. É esse anti-intelectualismo piedoso que enfatiza o encontro ao invés da informação, a emoção em vez do entendimento, o relacionamento “pessoal” no lugar do conhecimento. Mas os cristãos, escreveu Paulo, têm a mente de Cristo. Nosso relacionamento com ele é intelectual. E visto que Cristo é a sua mente e nós a nossa, nenhum relacionamento poderia ser mais íntimo do que esse. Esse é precisamente o porquê as Escrituras usam a analogia do casamento para ilustrar o relacionamento intelectual entre os cristãos e Cristo.

Esse reconhecimento da primazia do intelecto, a primazia da verdade, é totalmente ausente da teologia contemporânea. Um dos maiores teólogos e escritores deste século, J. Gresham Machen, escreveu um livro intitulado What Is Faith? [O que é fé?] há cinquenta anos. Suas palavras são tão apropriadas hoje como então:

Essa tendência anti-intelectual no mundo moderno não é algo insignificante: suas raízes estão profundas em todo o desenvolvimento filosófico dos tempos modernos. A filosofia moderna… tem tido como sua nota dominante, certamente como seu resultado hoje, uma depreciação da razão e uma resposta cética à pergunta de Pilatos, “O que é a verdade?”. Esse ataque sobre o intelecto tem sido conduzido por homens de nítidos poderes intelectuais; mas um ataque está presente. E, finalmente, os resultados lógicos disso, mesmo na esfera prática, estão começando a aparecer. Uma característica evidente dos dias atuais é um declínio intelectual lamentável, que tem aparecido em todos os campos do empreendimento humano, exceto aqueles que lidam com coisas puramente materiais. O intelecto tem sido intimidado há tanto tempo na teoria que ninguém pode se surpreender se ele agora deixar de funcionar na prática…

Com relação à tendência anti-intelectual no mundo moderno, será um propósito principal deste pequeno livro defender a primazia do intelecto, em particular tentar demolir a falsa e desastrosa oposição que tem sido levantada entre conhecimento e fé.

Esse, também, é um propósito principal deste pequeno livro. As páginas seguintes argumentam que é racional crer no que Deus diz; é irracional não acreditar em Deus. Nenhum argumento é mais urgentemente necessário do que esse.

John W. Robbins

31 de março de 1983

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